Participantes:
Desirée Pessoa
Adriano
Roman
Entrevista Desirée
Giancarlo:
Pode começar por aí mesmo, como é que surge, os primórdios do grupo. A gente
pode falar também hoje quantos vocês são, que ano que começaram é essa ideia.
Desirée:
Nós somos quatro pessoas. Nós começamos em 2003 e o que eu estava te falando é
que a gente começou a partir de uma ideia, de um tipo de trabalho sobre o qual a
gente não sabia o que queria fazer, mas sabia o que a gente não queria fazer.
Isso era um norte: a gente queria poder se relacionar com liberdade dentro das
diferenças. E aí aconteceu que as pessoas que estavam comigo naquele primeiro
momento não conseguiram levar a cabo a experiência por conta da dificuldade com
o espaço. Como o espaço estava muito carente de tudo, a sensação era: não tem
chão, não tem eletricidade, não tem água, não tem, não tem, não tem, não tem.
As pessoas precisam sobreviver, as pessoas precisam trabalhar, têm seus sonhos.
E trabalhar num lugar como esse a gente sabe que pode ser bastante frustrante
em muitos níveis. As pessoas foram aos poucos se envolvendo em outras coisas e
eu fui aos poucos ficando sozinha. E eu tinha assinado um papel dizendo que
este grupo, o Neelic, solicitava aquele espaço pra trabalhar. E essa relação
com o compromisso pra mim sempre foi muito importante. E eu me perguntei o que
fazer com isso. Então eu nunca esqueço do dia em que eu sentei na sala maior
que a gente tem e olhei praquele espaço e me senti muito frágil e pensei: o que
fazer? Eu era atriz, mas não me sentia apta a convidar um grande diretor pra me
dirigir porque eu estava muito no começo, eu não era conhecida e etc. Eu não
era diretora, então eu não podia me autodirigir naquele momento e aí eu pensei:
vou dar uma oficina, porque eu era oficineira e estava na graduação em
Licenciatura. E eu pensei: eu posso pedir um suporte da Universidade, isso é
uma coisa que eu posso fazer. E aí eu comecei a dar uma oficina que no primeiro
módulo teve três pessoas participando. No segundo módulo teve onze pessoas, no
terceiro tinha quarenta pessoas e eu disse: olha, aqui tem alguma coisa legal
acontecendo.
Então
é isso: o Neelic começa como uma ideia e se torna um grupo ao longo (do tempo).
Um grupo dentro do entendimento que eu tenho de grupo: um coletivo de pessoas
que trabalham juntas por uma causa, cada uma com as suas particularidades. Acho
que isso é bem importante, a gente não pretende ser homogêneo no jeito de ser
das pessoas, dos indivíduos. A gente não tem os mesmos gostos, a gente não
frequenta as mesmas festas, a gente não vai no cinema junto, tem várias coisas
que a gente não tem e que são muito saudáveis pra nós, pra mantermos a
diversidade. Isso é muito interessante. Então, quando a gente se junta pra
trabalhar é sempre festivo. Isso é muito legal. Conflito a gente tem muito
pouco, e quando a gente tem, facilmente se resolve de alguma maneira. Eu acho (eu
tenho uma suspeita) que isso é resultado desses outros aspectos da nossa
individualidade que a gente se permite viver. Que a gente não se sufoca, no
sentido de estar junto todo o tempo das nossas vidas. Se é legal, se as pessoas
dão conta de fazerem isso, acho bacana. Mas no nosso caso, não. No nosso caso,
o nosso jeito tem funcionado dessa forma. E aí então de 2003 até 2007 eu fui
trabalhando com as oficinas e com os espetáculos provenientes das oficinas. E
em 2007 a gente fez o primeiro espetáculo do grupo, da companhia, que se
chamava Clitemnestra. Era uma
adaptação da Electra do Sófocles, mesclada
com o conto Clitemnestra ou o crime,
de uma autora francesa chamada Margueritte Yourcenar. Uma escritora linda.
Muito legal. Recomendo. Nessa formação a gente tinha algumas pessoas
provenientes das oficinas, entre elas o Pablo Corroche, que é um dos atores que
ainda está conosco hoje, um dos integrantes do grupo. Depois disso, em 2009
entraram a Vanda Bress, que também está no grupo conosco hoje e o Adriano
Roman, também pela via da nossa Escola, em turmas diferentes (eles entraram). E
foram, cada um à sua maneira, demonstrando vontade de ficar, de estar junto, de
participar. Então hoje essa é a nossa formação, a Vanda, o Adriano, o Pablo e
eu. E como nós somos apenas em quatro, às vezes a gente trabalha com atores
convidados, dependendo do espetáculo. E muitos parceiros – a gente tem o
pessoal da trilha, o pessoal do figurino, por exemplo, que não integra o grupo,
mas trabalha junto. O Adriano agora está se formando como iluminador, aos
poucos, porque também somos jovens ainda, começamos há pouco tempo
relativamente. Então temos muito pela frente.
Contratamos uma produtora de fora do grupo, a maior parte das vezes, de
um tempo pra cá.