Participantes:
Transcrição
Giancarlo: Quem
quiser pode começar.
Hamilton: Acho
que só uma questão histórica, talvez a gente esteja aqui há mais tempo, que
acho que é importante colocar, que foi em dezembro de 2001 que a gente procurou
a direção do Hospital. A gente saiu da Vila São José, a gente veio pra cá,
inicialmente conversamos com a direção do Hospital em dezembro de 2001 e fomos
entrar mesmo, na ativa, aqui no São Pedro, em março de 2002. Tá no chão até:
março de 2002 (mostra a marca feita no cimento do chão). Tem algum resquício
aqui: ...ço 2002. Foi quando a gente tapou aqui. Era um vão, não tinha já a
parede e a gente tapou com cimento. E na época escreveu “março de 2002” aqui no
chão. É mais a questão histórica, quando foi. Nós estamos chegando em março de
2014, são doze anos de ocupação literal. E a ideia inicial, pelo menos da
gente, da Oigalê, foi de não só a Oigalê ocupar esse espaço.
Quando a
gente chegou aqui, isso aqui tudo era uma sujeira só. Eles nos mostraram uma
sala, tu tava junto eu acho, Vera? Eles nos mostraram uma sala na Oficina de Criatividade
no pavilhão 04 e a ideia era da gente ocupar aquela sala duas vezes por semana,
três, que é onde está o núcleo de teatro que a Fátima coordena hoje. E daí a
gente disse: Não, vocês não tão entendendo. A gente não quer usar duas ou três
vezes por semana, a gente quer um espaço de ocupação, do cotidiano do grupo, ou
seja, pra guardar material, pra ensaiar, pra tudo. Pra música, pra tudo que a
gente precisava, pra confeccionar perna-de-pau, pra confeccionar cenário,
figurinos. A ideia era essa: de um ocupação de um espaço público ocioso que, no
caso, estava ocioso e imundo. E quando eles disseram: Ah, quem sabe mostra lá
pra eles o pavilhão 06!. E dizia que o Falos & Stercus tinha feito um
espetáculo aqui tinha tido a Bienal, além de alguns filmes de cinema, como Neto perde sua alma, que foi gravado
aqui também, anterior a isso. Quando eu entrei aqui não tinha porta, na entrada
não tinha porta, e era uma sujeira só, e eu falei: Bah, é aqui! É aqui! “Tá, e como é que vocês vão fazer? Não tem
luz, não tem banheiro...” Ah, a gente vai puxar a luz, a gente vai construir o
banheiro com o tempo, a gente vai limpar, mas é aqui!
Então
esse é só o fator histórico. Na realidade o Falos tinha feito o espetáculo e
tinha deixado o material aqui. Como eles faziam vários espetáculos de ocupação
pela cidade, tipo As Lobas, no Castelinho e o Alexandre fez Vargas, na ilha.
Eles fizeram aqui In Surto, que era na época era o Sabão e mais o Cebola. E aí
eles fizeram (o espetáculo) e deixaram o material aqui. E nós ocupamos,
começamos a ensaiar, e aí a gente viu a necessidade de não sermos só nós. Aí
partir para o condomínio, convidar grupos para vir, para ser mais forte, aquela
coisa de uma maior ocupação, tinha mais espaços livres: em cima, do lado... e
daí na época a Oigalê participava do movimento dos grupos de teatro de rua. E
aí deu o toque para vários grupos como no caso o Povo da Rua, o antecessor ao
Caixa Preta que o Jessé era diretor, também. E veio o pessoal depois da escola
da Terreira da Tribo, o pessoal saiu da escola e veio ocupar também. Isso é
mais uma questão histórica, pra saber o tempo que a gente tá “internado” aqui
por opção!
Simone: Como
foi isso, Hamilton, de abrir para mais grupos?
Hamilton: Na
verdade, assim. Foi o aval do diretor na época, não me lembro o nome dele
agora, foi no governo do Olívio (Dutra).
Simone: O
diretor do teatro?
Hamilton: Não, o
diretor do hospital. Já tinha sido aberto pra Bienal, já tinha sido aberto pro
Falos apresentar aqui e o diretor do hospital não liberou. Só que a nossa
relação era muito maior com a Oficina de Criatividade, que fica aqui do lado.
Eu não me lembro do nome da senhora que coordenava, e tinha um cara que era CC,
digo, cargo de confiança, que eu conheci na Barão do Amazonas, assim, por
acaso, e trabalhava também com Artes Plásticas. E ele ficava no meio conosco
para coordenar, de conversar, fazer uma reunião mensal com os grupos e tudo
mais. Então tinha essa figura do Hospital que também era artística, que
trabalhava ali na Oficina de Criatividade; e depois, na passagem de governo, o
Olívio perdendo as eleições, até quem foi candidato foi o Tarso, entrou o
Rigotto e o Instituto Estadual de Artes Cênicas tomou a frente. Ficou meio
aquela coisa... eles estouraram o cadeado, a gente conseguiu tirar o Negrinho
do Pastoreio, que a gente estava fazendo na época, guardar numa garagem em um
parente e aí conseguimos fazer o Negrinho. E aí em março lá de 2005, se não me
engano, março de 2003. Em março de 2003, o IEACEN, com a Eva Schul, que retoma
a conversa e eles... a gente volta e tudo mais. Em 2005 a gente assina um
termo de concessão de uso, entre o Roque Jacobi, na época Secretário de
Cultura, e Osmar Terra, Secretário da Saúde. Inclusive estou com uma cópia aqui
deste termo de uso e depois o senhor pode gravar. Aqui no carro, que eu vou
buscar.
Eu
coloco isso muito mais pela questão histórica, a vinda de outros grupos também,
que foram vindo com o tempo, porque eu acho super importante essa ocupação de
espaço públicos. Foi um tanto quanto idealizada pela Oigalê. Obviamente o Falos
& Stercus foi o primeiro grupo a apresentar aqui, a ocupar, ou seja, com um
espetáculo e ensaios. Mas a ideia de fazer essa ocupação sistemática, de vir
mais grupos e cotidiana mesmo, não só do espetáculo, tanto que todos os outros
espetáculos da Oigalê foram, a partir do Negrinho, todos os demais até hoje
foram concebidos aqui. Então a importância desse espaço como um espaço... não é
porque a gente faz teatro de rua que não precisa de um espaço pra ensaiar, pra
trabalhar música, pra confeccionar material. Então isso é extremamente
importante, porque se trata de um grupo com trabalho continuado, e, digamos,
que tem uma visão profissional, vive disso, e que depende também disso para
viver, economicamente; não só vive disso, vive para isso e depende disso também
como seu retorno econômico, de vida, de pagar suas contas. E também da necessidade
física. Precisa desse espaço geográfico pra guardar material e pra ensaiar.
Karine: Acho
que o grande barato é isso mesmo, de ter um espaço onde tu possa manter um
trabalho continuado, porque isso é uma falha dentro desse meio artístico, que a
gente não tem um local de trabalho, onde se possa ter todos os dias, pesquisar,
investigar uma linguagem, construir o que é esse grupo, o que é esse trabalho,
o que se quer dizer. Porque: ah, hoje a gente se encontra ali no parque, amanhã
a gente se encontra em outro lugar, e acaba que o trabalho, ele não acontece.
Então tu não tem o espaço físico pra estar lá todos os dias, pensando sobre
aquilo.
Simone: Fora
todo o material que tem, né?
Karine: É.
Simone: Que se
carrega, que precisa pra fazer o trabalho de teatro. Parece que é só o corpo.
Não é só o corpo. Tem figurino, tem cenário, tem elemento cênico, tem
instrumentos musicais que são coisas caras, que não devem ser jogadas de um
lado para o outro.
Karine: Num
depósito que daí tu tem que buscar quando dá.
Simone: Ou na
casa das pessoas. Tem isso também, grupos que não têm espaço de trabalho que
acabam armazenando em locais que pagam pra armazenar nesse lugar, se
deterioram, o material se deteriora. Ou ainda fica na casa das pessoas,
ocupando espaço das casas das pessoas. Essas pessoas às vezes viajam, fazem
outras coisas de suas vidas, e isso vai quebrando um trabalho homogêneo, um
trabalho que o grupo pode... a continuidade mesmo, quebra a continuidade.
Mariana: E a
importância também desse espaço que, claro, eu entendo que a proposta inicial
era ter um retorno aqui dentro do Hospital, mas, enfim, a gente não tem essa
proximidade com o Hospital pra fazer o retorno, pra estar aqui, pra trazer
gente pra vir pra cá, também, pra conhecer esse lugar. Mas importante é que o
espaço é isso, ele não é um só lugar. Ele é um espaço que é utilizado por
artistas que vão pra rua e também não estão cobrando. Então, a gente tá fazendo
uma coisa com retorno imediato para o público. Imediato e gratuito. Assim como nos
foi cedido esse espaço, a gente apresenta e o público não paga absolutamente
nada.
Karine: E esse
fato de ser um espaço público ocioso que eu acho que é o principal né. O que se
faz aqui? É um prédio que se deixa ruir pelo tempo. Não, tá sendo aproveitado
pra construir algo pra ter uma troca com a comunidade, com a população. Senão
ia estar aqui, ainda, jogado.
Vera: E o
fato de ser um hospital psiquiátrico, que isso é revolucionário. O que tá
acontecendo aqui, se a gente conseguir manter, é um exemplo pro mundo, porque é
muito difícil isso acontecer. A loucura e a arte junto e transitando entre um e
outro. Quem é mais louco? Quem tá dentro ou fora do hospício? Quem é o louco? É
o artista? É louco ou não é? Então tu vai misturando as coisas. É lindo, quando
tinha apresentações aqui, o pessoal fazia apresentações aqui dentro, a
bilheteria era lá na frente. Lá nos guardinhas. Aí tu chegava lá tinha um bando
de gente, aí tu não sabe quem tá esperando pra assistir ao espetáculo, quem tá
esperando um atendimento psiquiátrico, quem tá esperando pra visitar um amigo
ou um parente. Quer dizer, a vida se mistura, não tem mais essa separação. E é
isso que tem que ser. Acabar com essa segregação. Se tu tem um hospital
psiquiátrico para os loucos, aparentemente louco, daqui a pouco tem que ter um
hospital psiquiátrico para os artistas, que também são loucos e que também são
diferentes e assim tu vai tendo um hospital psiquiátrico para cada tipo de
loucura. E não é, acho que a ideia é abrir, é transformar esse hospital
psiquiátrico num grande centro cultural, ao contrário, não é transformar o
hospital num espaçozinho que tem cultura. É um espaço cultural que tem um
espaçozinho que faz atendimento. E aí tu inverte a lógica das coisas.
Mariana: E esse
trabalho que a gente faz, acho que a coisa que eu mais sinto falta. Porque a
gente vem aqui todos os dias e a gente não troca, porque, enfim, por
resistência, por barreira, por briga, porque quer ceder ou não quer ceder o
espaço. A gente não troca com esses internos que estão aqui, eles podiam estar
aqui dentro, eles podiam assistir muito mais os espetáculos. A gente podia ir,
porque eles tem as casas ali no final, a gente fazer apresentação ali, a gente
podia estar mais envolvido. Tem oficina de teatro e a gente que é daqui, que tá
aqui há doze anos não foi chamado pra dar essa oficina de teatro, entende? É um
lugar tão bonito e tem uma energia tão carregada, que a gente consegue
transformar essa energia aqui dentro, a gente podia levar essa energia pros
outros pavilhões.