Memorial Descritivo - Resultado Final da Pesquisa

A bolsa de pesquisa “Condomínio Cênico HPSP - Ocupação artística cultural em espaços públicos ociosos ou abandonados” contemplada por Giancarlo Carlomagno sob a orientação do Professor Licko Turle no Edital Décio Freitas/2013 do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre/RS chega a sua fase final. O objetivo principal é a construção de uma memorial descritivo dos grupos teatrais que, há mais de 15 anos, realizam uma “ocupação artística” nos pavilhões 5 e 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro na cidade de Porto Alegre/RS.
Uma “ocupação/invasão”, física e artística, de um imóvel público, ocioso e abandonado. Resinificando este espaço através da arte. Construindo a possibilidade do surgimento de espaços/sedes de grupos teatrais para o desenvolvimento de suas necessidades diárias de trabalho, como: ensaios, oficinas, seminários, intercâmbios, construção e confecção de materiais cênicos, depósito de cenários/adereços e apresentações teatrais. Um centro cultural gerenciado e promovido por grupos de teatro e suas diversas atividades cênicas associadas, sendo muitas gratuitas ou a preços populares.
Atualmente o “Condomínio Cênico São Pedro” é integrado pelos grupos Falos e Stercus, Oigalê, Povo da Rua, Neelic e Caixa Preta. Trabalhando cotidianamente nos espaços constato uma regularidade nos grupos Falos e Stercus, Oigalê, Povo da Rua e Neelic. O grupo Caixa Preta exerce uma “ocupação” diferenciada dos outros quatro coletivos. Mais esporádica, pontualmente em determinados projetos. Mesmo com a diferença da “ocupação” exercida, o que acaba se refletindo nas pequenas ações cotidianas (sindicância, limpeza e benfeitorias de áreas de uso comum...) e políticas (telefonemas, reuniões, construção de documentos...) foram solicitadas duas entrevistas presenciais e enviado um questionário por e-mail. Nenhuma das tentativas obtive êxito. Por esses motivos expostos concentrarei a pesquisa nos quatro primeiros grupos citados e em exemplos de duas “ocupações artísticas” desenvolvidas nas cidades de São Paulo no Centro Cultural Arte em Construção/Grupo Pombas Urbanas e do Rio de Janeiro nos casarões da Lapa/Grupo Tá na rua.Antes de efetivamente descrever a trajetória artística realizada individualmente pelos grupos e suas respectivas ações (memorial descritivo), vejo a necessidade de um relato histórico, do início da “ocupação” no Hospital Psiquiátrico São Pedro até os dias atuais.

Fotos do Espaço Ocupado pelo Grupo Falos & Stercus

Fotos do Pavimento superior do Pavilhão 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro - Porto Alegre / RS / Brasil
Espaço Ocupado pelo Grupo Falos & Stercus para manutenção de suas atividades artísticas e acervo de material, dentre outras utilidades.


Atelier Luiz Marasca



Cenas de Espetáculos Realizados nos Pavilhões 05 e 06






Entrevista Grupo Falos & Stercus - Transcrição

Entrevista Falos & Stercus 05/03/2014
Participantes:

Fábio Sabão
Fábio Cunha


Luis Marasca


Marcelo Restori da Cunha

Sabão: Aqui é a nossa sala de ensaio. Eu tenho fotos históricas da sala, desde o pior estado. E agora nós temos um piso sensacional. Tem os ventiladores. O fomento nos deu uma ajuda no...
Giancarlo: Um upgrade.
Sabão: Um upgrade que faz toda a diferença. Um chãozinho de tatame. No inverno a gente tem uma estufinha também, uma estufinha legal, no verão tem ventilador. Então influencia o resultado do trabalho com certeza. Tu consegue estar mais entregue pro trabalho. Pra rolar, deitar, no tatame é melhor, não se quebra.
Entrevista com Fabio Cunha
Giancarlo: Fábio, quero que tu me mostre o espaço e vá falando sobre ele.
Fábio: Aqui é o espaço do Luís Marasca, nosso cenógrafo do Falos & Stercus.
Giancarlo: Tem que falar teu nome completo, pra autorização de imagem.
Fábio: Meu nome é Fábio Cunha, sou ator do grupo Falos & Stercus, estamos no espaço que é ocupado pelo Falos & Stercus no Hospital Psiquiátrico São Pedro desde 2000. Aqui esse espaço é o ateliê do Luís Marasca, artista plástico, cenógrafo não só do Falos, mas de vários grupos, premiadíssimo e aqui ele desenvolve o trabalho dele. Então seguiremos. Essa é a Lia, assistente do Luís Marasca. Aqui a gente guarda alguns cenários, materiais. A ideia era tirar umas paredes daí e transformar numa única sala pra poder fazer cenários maiores. Aqui ó. Essa aqui é a nossa sala de reuniões, onde a gente se reúne e decide coisas, faz as reuniões de produção. Aqui nós temos as obras do Luís Marasca pra decorar o nosso espaço. Parte técnica, onde a gente guarda nosso material de luz, som, rapel, todo nosso material. Tá tudo escondidinho: o som, caixas de som, material de rapel, material de luz, cabos novos, enfim...
Giancarlo: Depósito da parte técnica.
Fábio: O material que tá aqui fora é o material do Despedida, que a gente vai viajar pra Bahia e Ceará pela Petrobrás. Algumas salas que a gente guarda alguns materiais, enfim. E outras pessoas ocupam aqui, tem dois grupos que estão trabalhando aqui, um é Ondina e Tufone o outro é um pessoal novo que tá desenvolvendo um trabalho.
Aqui é a salinha do Marasca, onde ele guarda o equipamento mais valioso dele, serras, enfim. E aqui estão os últimos cenários dos últimos espetáculos, do Hybris, que era um espetáculo que a gente fez lá no Hipódromo, e a gente ainda tá aqui com ele, com o material. E pra cá tem uma parte bem delicada, que é uma árvore que nasceu. A gente isolou. Ela nasceu na beira ali, lá de baixo, desde o Oigalê, do pessoal embaixo, sobe e hoje em dia caiu, tá destruindo tudo, dá pra ver bem a ponta. Não estava assim quando a gente chegou. Devido toda a burocracia, a árvore cresceu e nós não conseguimos, em tempo hábil, evitar isso. Não por culpa dos grupos que estão aqui, mas sim pela não comunicação da parte de diretoria, de governo, não sei bem. Mas a gente tentou, tentou evitar esse problema muitas vezes.
Giancarlo: Tem noção de tamanho aqui? Vocês chegaram já alguma vez medir?
Fábio: Já. A gente já mediu mas eu não sei de cabeça. Tem mais duas salas. Uma lá no fundo que a gente gostaria de transformar num teatrinho e aqui também vai ter uma sala de ensaio, que tá todo o nosso material, bola de malabares, bastões, bola de pilates. É ali que a gente faz o nosso preparo e a gente usa uma outra parte também que é a rua, que são aqueles cabos de aço que estão ali em cima, com corda, tecido. A gente desenvolve esse trabalho aéreo. A gente usou umas entradas que já tinham no próprio prédio pra poder estruturar esses cabos, construímos algumas coisas. E também na briga desse espaço já faz quatorze anos e acredito que nesse ano é o ano que mais se aproxima a uma ocupação legal desse espaço. Os grupos que estão aqui, acho que são cinco, né? Junto com o Governo do Estado, Secretaria da Saúde, Direção do hospício e Secretaria de Cultura com os grupos. Talvez, hoje é dia cinco de março de 2014, tudo se realize dia 27 de março de 2014, a gente esteja assinando, os grupos e o Governo, o contrato de comodato desse espaço e aí sim, acredito que os grupos vão poder aplicar, reformar, pintar, tentar desenvolver um projeto não só arquitetônico, do patrimônio material, mas do patrimônio que é o mais valioso que tem aqui, que é o imaterial.

Fotos do Espaço Ocupado Pelo Neelic

Fotos do Pavimento inferior do Prédio que faz a ligação entre os Pavilhões 5 e 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro - Porto Alegre / RS / Brasil

Espaço Ocupado pelo Grupo Neelic para manutenção de suas atividades artísticas e acervo de material, dentre outras utilidades.

Porta de Entrada do Espaço do Grupo



Corredor que dá acesso às salas


Sala de Ensaio

Entrevista NEELIC Núcleo de Estudos e Experimentação da Linguagem Cênica - Transcrição

Participantes:


Desirée Pessoa

Adriano Roman

Entrevista Desirée

Giancarlo: Pode começar por aí mesmo, como é que surge, os primórdios do grupo. A gente pode falar também hoje quantos vocês são, que ano que começaram é essa ideia.
Desirée: Nós somos quatro pessoas. Nós começamos em 2003 e o que eu estava te falando é que a gente começou a partir de uma ideia, de um tipo de trabalho sobre o qual a gente não sabia o que queria fazer, mas sabia o que a gente não queria fazer. Isso era um norte: a gente queria poder se relacionar com liberdade dentro das diferenças. E aí aconteceu que as pessoas que estavam comigo naquele primeiro momento não conseguiram levar a cabo a experiência por conta da dificuldade com o espaço. Como o espaço estava muito carente de tudo, a sensação era: não tem chão, não tem eletricidade, não tem água, não tem, não tem, não tem, não tem. As pessoas precisam sobreviver, as pessoas precisam trabalhar, têm seus sonhos. E trabalhar num lugar como esse a gente sabe que pode ser bastante frustrante em muitos níveis. As pessoas foram aos poucos se envolvendo em outras coisas e eu fui aos poucos ficando sozinha. E eu tinha assinado um papel dizendo que este grupo, o Neelic, solicitava aquele espaço pra trabalhar. E essa relação com o compromisso pra mim sempre foi muito importante. E eu me perguntei o que fazer com isso. Então eu nunca esqueço do dia em que eu sentei na sala maior que a gente tem e olhei praquele espaço e me senti muito frágil e pensei: o que fazer? Eu era atriz, mas não me sentia apta a convidar um grande diretor pra me dirigir porque eu estava muito no começo, eu não era conhecida e etc. Eu não era diretora, então eu não podia me autodirigir naquele momento e aí eu pensei: vou dar uma oficina, porque eu era oficineira e estava na graduação em Licenciatura. E eu pensei: eu posso pedir um suporte da Universidade, isso é uma coisa que eu posso fazer. E aí eu comecei a dar uma oficina que no primeiro módulo teve três pessoas participando. No segundo módulo teve onze pessoas, no terceiro tinha quarenta pessoas e eu disse: olha, aqui tem alguma coisa legal acontecendo.
Então é isso: o Neelic começa como uma ideia e se torna um grupo ao longo (do tempo). Um grupo dentro do entendimento que eu tenho de grupo: um coletivo de pessoas que trabalham juntas por uma causa, cada uma com as suas particularidades. Acho que isso é bem importante, a gente não pretende ser homogêneo no jeito de ser das pessoas, dos indivíduos. A gente não tem os mesmos gostos, a gente não frequenta as mesmas festas, a gente não vai no cinema junto, tem várias coisas que a gente não tem e que são muito saudáveis pra nós, pra mantermos a diversidade. Isso é muito interessante. Então, quando a gente se junta pra trabalhar é sempre festivo. Isso é muito legal. Conflito a gente tem muito pouco, e quando a gente tem, facilmente se resolve de alguma maneira. Eu acho (eu tenho uma suspeita) que isso é resultado desses outros aspectos da nossa individualidade que a gente se permite viver. Que a gente não se sufoca, no sentido de estar junto todo o tempo das nossas vidas. Se é legal, se as pessoas dão conta de fazerem isso, acho bacana. Mas no nosso caso, não. No nosso caso, o nosso jeito tem funcionado dessa forma. E aí então de 2003 até 2007 eu fui trabalhando com as oficinas e com os espetáculos provenientes das oficinas. E em 2007 a gente fez o primeiro espetáculo do grupo, da companhia, que se chamava Clitemnestra. Era uma adaptação da Electra do Sófocles, mesclada com o conto Clitemnestra ou o crime, de uma autora francesa chamada Margueritte Yourcenar. Uma escritora linda. Muito legal. Recomendo. Nessa formação a gente tinha algumas pessoas provenientes das oficinas, entre elas o Pablo Corroche, que é um dos atores que ainda está conosco hoje, um dos integrantes do grupo. Depois disso, em 2009 entraram a Vanda Bress, que também está no grupo conosco hoje e o Adriano Roman, também pela via da nossa Escola, em turmas diferentes (eles entraram). E foram, cada um à sua maneira, demonstrando vontade de ficar, de estar junto, de participar. Então hoje essa é a nossa formação, a Vanda, o Adriano, o Pablo e eu. E como nós somos apenas em quatro, às vezes a gente trabalha com atores convidados, dependendo do espetáculo. E muitos parceiros – a gente tem o pessoal da trilha, o pessoal do figurino, por exemplo, que não integra o grupo, mas trabalha junto. O Adriano agora está se formando como iluminador, aos poucos, porque também somos jovens ainda, começamos há pouco tempo relativamente. Então temos muito pela frente.  Contratamos uma produtora de fora do grupo, a maior parte das vezes, de um tempo pra cá.

Fotos do Espaço Ocupado pela Oigalê

Fotos do Pavimento inferior do Pavilhão 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro - Porto Alegre / RS / Brasil

Espaço Ocupado pela Oigalê Cooperativa de artistas teatrais desde 2002 para manutenção de suas atividades artísticas e acervo de seu material dentre outras utilidades.

 Vista do Pátio Interno dos Pavilhões 5 e 6



  Vista do banheiro do Pavilhão 6
























               Porta de Entrada do Espaço do Grupo - Piso Inferior Pavilhão 6 

Entrevista Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais - Transcrição

Participantes:



Transcrição


Giancarlo: Quem quiser pode começar.
Hamilton: Acho que só uma questão histórica, talvez a gente esteja aqui há mais tempo, que acho que é importante colocar, que foi em dezembro de 2001 que a gente procurou a direção do Hospital. A gente saiu da Vila São José, a gente veio pra cá, inicialmente conversamos com a direção do Hospital em dezembro de 2001 e fomos entrar mesmo, na ativa, aqui no São Pedro, em março de 2002. Tá no chão até: março de 2002 (mostra a marca feita no cimento do chão). Tem algum resquício aqui: ...ço 2002. Foi quando a gente tapou aqui. Era um vão, não tinha já a parede e a gente tapou com cimento. E na época escreveu “março de 2002” aqui no chão. É mais a questão histórica, quando foi. Nós estamos chegando em março de 2014, são doze anos de ocupação literal. E a ideia inicial, pelo menos da gente, da Oigalê, foi de não só a Oigalê ocupar esse espaço.
Quando a gente chegou aqui, isso aqui tudo era uma sujeira só. Eles nos mostraram uma sala, tu tava junto eu acho, Vera? Eles nos mostraram uma sala na Oficina de Criatividade no pavilhão 04 e a ideia era da gente ocupar aquela sala duas vezes por semana, três, que é onde está o núcleo de teatro que a Fátima coordena hoje. E daí a gente disse: Não, vocês não tão entendendo. A gente não quer usar duas ou três vezes por semana, a gente quer um espaço de ocupação, do cotidiano do grupo, ou seja, pra guardar material, pra ensaiar, pra tudo. Pra música, pra tudo que a gente precisava, pra confeccionar perna-de-pau, pra confeccionar cenário, figurinos. A ideia era essa: de um ocupação de um espaço público ocioso que, no caso, estava ocioso e imundo. E quando eles disseram: Ah, quem sabe mostra lá pra eles o pavilhão 06!. E dizia que o Falos & Stercus tinha feito um espetáculo aqui tinha tido a Bienal, além de alguns filmes de cinema, como Neto perde sua alma, que foi gravado aqui também, anterior a isso. Quando eu entrei aqui não tinha porta, na entrada não tinha porta, e era uma sujeira só, e eu falei: Bah, é aqui! É aqui!  “Tá, e como é que vocês vão fazer? Não tem luz, não tem banheiro...” Ah, a gente vai puxar a luz, a gente vai construir o banheiro com o tempo, a gente vai limpar, mas é aqui!
Então esse é só o fator histórico. Na realidade o Falos tinha feito o espetáculo e tinha deixado o material aqui. Como eles faziam vários espetáculos de ocupação pela cidade, tipo As Lobas, no Castelinho e o Alexandre fez Vargas, na ilha[1]. Eles fizeram aqui In Surto, que era na época era o Sabão e mais o Cebola. E aí eles fizeram (o espetáculo) e deixaram o material aqui. E nós ocupamos, começamos a ensaiar, e aí a gente viu a necessidade de não sermos só nós. Aí partir para o condomínio, convidar grupos para vir, para ser mais forte, aquela coisa de uma maior ocupação, tinha mais espaços livres: em cima, do lado... e daí na época a Oigalê participava do movimento dos grupos de teatro de rua. E aí deu o toque para vários grupos como no caso o Povo da Rua, o antecessor ao Caixa Preta que o Jessé era diretor, também. E veio o pessoal depois da escola da Terreira da Tribo, o pessoal saiu da escola e veio ocupar também. Isso é mais uma questão histórica, pra saber o tempo que a gente tá “internado” aqui por opção!
Simone: Como foi isso, Hamilton, de abrir para mais grupos?
Hamilton: Na verdade, assim. Foi o aval do diretor na época, não me lembro o nome dele agora, foi no governo do Olívio (Dutra).
Simone: O diretor do teatro?
Hamilton: Não, o diretor do hospital. Já tinha sido aberto pra Bienal, já tinha sido aberto pro Falos apresentar aqui e o diretor do hospital não liberou. Só que a nossa relação era muito maior com a Oficina de Criatividade, que fica aqui do lado. Eu não me lembro do nome da senhora que coordenava, e tinha um cara que era CC, digo, cargo de confiança, que eu conheci na Barão do Amazonas, assim, por acaso, e trabalhava também com Artes Plásticas. E ele ficava no meio conosco para coordenar, de conversar, fazer uma reunião mensal com os grupos e tudo mais. Então tinha essa figura do Hospital que também era artística, que trabalhava ali na Oficina de Criatividade; e depois, na passagem de governo, o Olívio perdendo as eleições, até quem foi candidato foi o Tarso, entrou o Rigotto e o Instituto Estadual de Artes Cênicas tomou a frente. Ficou meio aquela coisa... eles estouraram o cadeado, a gente conseguiu tirar o Negrinho do Pastoreio, que a gente estava fazendo na época, guardar numa garagem em um parente e aí conseguimos fazer o Negrinho. E aí em março lá de 2005, se não me engano, março de 2003. Em março de 2003, o IEACEN, com a Eva Schul, que retoma a conversa e eles... a gente volta e tudo mais. Em 2005 a gente assina um termo de concessão de uso, entre o Roque Jacobi, na época Secretário de Cultura, e Osmar Terra, Secretário da Saúde. Inclusive estou com uma cópia aqui deste termo de uso e depois o senhor pode gravar. Aqui no carro, que eu vou buscar.
Eu coloco isso muito mais pela questão histórica, a vinda de outros grupos também, que foram vindo com o tempo, porque eu acho super importante essa ocupação de espaço públicos. Foi um tanto quanto idealizada pela Oigalê. Obviamente o Falos & Stercus foi o primeiro grupo a apresentar aqui, a ocupar, ou seja, com um espetáculo e ensaios. Mas a ideia de fazer essa ocupação sistemática, de vir mais grupos e cotidiana mesmo, não só do espetáculo, tanto que todos os outros espetáculos da Oigalê foram, a partir do Negrinho, todos os demais até hoje foram concebidos aqui. Então a importância desse espaço como um espaço... não é porque a gente faz teatro de rua que não precisa de um espaço pra ensaiar, pra trabalhar música, pra confeccionar material. Então isso é extremamente importante, porque se trata de um grupo com trabalho continuado, e, digamos, que tem uma visão profissional, vive disso, e que depende também disso para viver, economicamente; não só vive disso, vive para isso e depende disso também como seu retorno econômico, de vida, de pagar suas contas. E também da necessidade física. Precisa desse espaço geográfico pra guardar material e pra ensaiar.
Karine: Acho que o grande barato é isso mesmo, de ter um espaço onde tu possa manter um trabalho continuado, porque isso é uma falha dentro desse meio artístico, que a gente não tem um local de trabalho, onde se possa ter todos os dias, pesquisar, investigar uma linguagem, construir o que é esse grupo, o que é esse trabalho, o que se quer dizer. Porque: ah, hoje a gente se encontra ali no parque, amanhã a gente se encontra em outro lugar, e acaba que o trabalho, ele não acontece. Então tu não tem o espaço físico pra estar lá todos os dias, pensando sobre aquilo.
Simone: Fora todo o material que tem, né?
Karine: É.
Simone: Que se carrega, que precisa pra fazer o trabalho de teatro. Parece que é só o corpo. Não é só o corpo. Tem figurino, tem cenário, tem elemento cênico, tem instrumentos musicais que são coisas caras, que não devem ser jogadas de um lado para o outro.
Karine: Num depósito que daí tu tem que buscar quando dá.
Simone: Ou na casa das pessoas. Tem isso também, grupos que não têm espaço de trabalho que acabam armazenando em locais que pagam pra armazenar nesse lugar, se deterioram, o material se deteriora. Ou ainda fica na casa das pessoas, ocupando espaço das casas das pessoas. Essas pessoas às vezes viajam, fazem outras coisas de suas vidas, e isso vai quebrando um trabalho homogêneo, um trabalho que o grupo pode... a continuidade mesmo, quebra a continuidade.
Mariana: E a importância também desse espaço que, claro, eu entendo que a proposta inicial era ter um retorno aqui dentro do Hospital, mas, enfim, a gente não tem essa proximidade com o Hospital pra fazer o retorno, pra estar aqui, pra trazer gente pra vir pra cá, também, pra conhecer esse lugar. Mas importante é que o espaço é isso, ele não é um só lugar. Ele é um espaço que é utilizado por artistas que vão pra rua e também não estão cobrando. Então, a gente tá fazendo uma coisa com retorno imediato para o público. Imediato e gratuito. Assim como nos foi cedido esse espaço, a gente apresenta e o público não paga absolutamente nada.
Karine: E esse fato de ser um espaço público ocioso que eu acho que é o principal né. O que se faz aqui? É um prédio que se deixa ruir pelo tempo. Não, tá sendo aproveitado pra construir algo pra ter uma troca com a comunidade, com a população. Senão ia estar aqui, ainda, jogado.
Vera: E o fato de ser um hospital psiquiátrico, que isso é revolucionário. O que tá acontecendo aqui, se a gente conseguir manter, é um exemplo pro mundo, porque é muito difícil isso acontecer. A loucura e a arte junto e transitando entre um e outro. Quem é mais louco? Quem tá dentro ou fora do hospício? Quem é o louco? É o artista? É louco ou não é? Então tu vai misturando as coisas. É lindo, quando tinha apresentações aqui, o pessoal fazia apresentações aqui dentro, a bilheteria era lá na frente. Lá nos guardinhas. Aí tu chegava lá tinha um bando de gente, aí tu não sabe quem tá esperando pra assistir ao espetáculo, quem tá esperando um atendimento psiquiátrico, quem tá esperando pra visitar um amigo ou um parente. Quer dizer, a vida se mistura, não tem mais essa separação. E é isso que tem que ser. Acabar com essa segregação. Se tu tem um hospital psiquiátrico para os loucos, aparentemente louco, daqui a pouco tem que ter um hospital psiquiátrico para os artistas, que também são loucos e que também são diferentes e assim tu vai tendo um hospital psiquiátrico para cada tipo de loucura. E não é, acho que a ideia é abrir, é transformar esse hospital psiquiátrico num grande centro cultural, ao contrário, não é transformar o hospital num espaçozinho que tem cultura. É um espaço cultural que tem um espaçozinho que faz atendimento. E aí tu inverte a lógica das coisas.
Mariana: E esse trabalho que a gente faz, acho que a coisa que eu mais sinto falta. Porque a gente vem aqui todos os dias e a gente não troca, porque, enfim, por resistência, por barreira, por briga, porque quer ceder ou não quer ceder o espaço. A gente não troca com esses internos que estão aqui, eles podiam estar aqui dentro, eles podiam assistir muito mais os espetáculos. A gente podia ir, porque eles tem as casas ali no final, a gente fazer apresentação ali, a gente podia estar mais envolvido. Tem oficina de teatro e a gente que é daqui, que tá aqui há doze anos não foi chamado pra dar essa oficina de teatro, entende? É um lugar tão bonito e tem uma energia tão carregada, que a gente consegue transformar essa energia aqui dentro, a gente podia levar essa energia pros outros pavilhões.