A
bolsa de pesquisa “Condomínio Cênico
HPSP - Ocupação artística cultural em espaços públicos ociosos ou abandonados” contemplada por
Giancarlo Carlomagno sob a orientação do Professor Licko Turle no Edital Décio Freitas/2013 do Fundo Municipal de
Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre/RS chega
a sua fase final. O objetivo principal é a construção de uma memorial
descritivo dos grupos teatrais que, há mais de 15 anos, realizam uma “ocupação
artística” nos pavilhões 5 e 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro na cidade de
Porto Alegre/RS.
Condomínio Cênico São Pedro
Este blog é parte integrante do projeto de pesquisa “Condomínio Cênico HPSP - Ocupação artística cultural em espaços públicos ociosos ou abandonados” contemplado no Edital Décio Freitas/2013 do Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre, que tem como Pesquisador Giancarlo Carlomagno (RS) com a Orientação de Licko Turle (RJ). O objetivo é divulgar as ações desenvolvidas pelos grupos de teatro Falos e Stercus, Oigalê, Povo da Rua, NEELIC e Caixa Preta.
EU APOIO A PERMANÊNCIA DO CONDOMINIO CÊNICO HPSP
Memorial Descritivo - Resultado Final da Pesquisa
Fotos do Espaço Ocupado pelo Grupo Falos & Stercus
Fotos do
Pavimento superior do Pavilhão 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro - Porto
Alegre / RS / Brasil
Espaço
Ocupado pelo Grupo Falos & Stercus para manutenção de suas
atividades artísticas e acervo de material, dentre outras utilidades.
Atelier Luiz
Marasca
Cenas de
Espetáculos Realizados nos Pavilhões 05 e 06
Entrevista Grupo Falos & Stercus - Transcrição
Entrevista
Falos & Stercus 05/03/2014
Participantes:
Sabão:
Aqui é a nossa sala de ensaio. Eu tenho fotos históricas da sala, desde o pior
estado. E agora nós temos um piso sensacional. Tem os ventiladores. O fomento
nos deu uma ajuda no...
Giancarlo:
Um upgrade.
Sabão:
Um upgrade que faz toda a diferença. Um chãozinho de tatame. No inverno a gente
tem uma estufinha também, uma estufinha legal, no verão tem ventilador. Então
influencia o resultado do trabalho com certeza. Tu consegue estar mais entregue
pro trabalho. Pra rolar, deitar, no tatame é melhor, não se quebra.
Entrevista
com Fabio Cunha
Giancarlo:
Fábio, quero que tu me mostre o espaço e vá falando sobre ele.
Fábio:
Aqui é o espaço do Luís Marasca, nosso cenógrafo do Falos & Stercus.
Giancarlo:
Tem que falar teu nome completo, pra autorização de imagem.
Fábio:
Meu nome é Fábio Cunha, sou ator do grupo Falos & Stercus, estamos no
espaço que é ocupado pelo Falos & Stercus no Hospital Psiquiátrico São Pedro
desde 2000. Aqui esse espaço é o ateliê do Luís Marasca, artista plástico,
cenógrafo não só do Falos, mas de vários grupos, premiadíssimo e aqui ele
desenvolve o trabalho dele. Então seguiremos. Essa é a Lia, assistente do Luís
Marasca. Aqui a gente guarda alguns cenários, materiais. A ideia era tirar umas
paredes daí e transformar numa única sala pra poder fazer cenários maiores.
Aqui ó. Essa aqui é a nossa sala de reuniões, onde a gente se reúne e decide
coisas, faz as reuniões de produção. Aqui nós temos as obras do Luís Marasca
pra decorar o nosso espaço. Parte técnica, onde a gente guarda nosso material
de luz, som, rapel, todo nosso material. Tá tudo escondidinho: o som, caixas de
som, material de rapel, material de luz, cabos novos, enfim...
Giancarlo:
Depósito da parte técnica.
Fábio:
O material que tá aqui fora é o material do Despedida,
que a gente vai viajar pra Bahia e Ceará pela Petrobrás. Algumas salas que a
gente guarda alguns materiais, enfim. E outras pessoas ocupam aqui, tem dois
grupos que estão trabalhando aqui, um é Ondina e Tufone o outro é um pessoal
novo que tá desenvolvendo um trabalho.
Aqui
é a salinha do Marasca, onde ele guarda o equipamento mais valioso dele,
serras, enfim. E aqui estão os últimos cenários dos últimos espetáculos, do Hybris, que era um espetáculo que a
gente fez lá no Hipódromo, e a gente ainda tá aqui com ele, com o material. E
pra cá tem uma parte bem delicada, que é uma árvore que nasceu. A gente isolou.
Ela nasceu na beira ali, lá de baixo, desde o Oigalê, do pessoal embaixo, sobe
e hoje em dia caiu, tá destruindo tudo, dá pra ver bem a ponta. Não estava
assim quando a gente chegou. Devido toda a burocracia, a árvore cresceu e nós
não conseguimos, em tempo hábil, evitar isso. Não por culpa dos grupos que
estão aqui, mas sim pela não comunicação da parte de diretoria, de governo, não
sei bem. Mas a gente tentou, tentou evitar esse problema muitas vezes.
Giancarlo:
Tem noção de tamanho aqui? Vocês chegaram já alguma vez medir?
Fábio:
Já. A gente já mediu mas eu não sei de cabeça. Tem mais duas salas. Uma lá no
fundo que a gente gostaria de transformar num teatrinho e aqui também vai ter
uma sala de ensaio, que tá todo o nosso material, bola de malabares, bastões,
bola de pilates. É ali que a gente faz o nosso preparo e a gente usa uma outra
parte também que é a rua, que são aqueles cabos de aço que estão ali em cima,
com corda, tecido. A gente desenvolve esse trabalho aéreo. A gente usou umas
entradas que já tinham no próprio prédio pra poder estruturar esses cabos,
construímos algumas coisas. E também na briga desse espaço já faz quatorze anos
e acredito que nesse ano é o ano que mais se aproxima a uma ocupação legal
desse espaço. Os grupos que estão aqui, acho que são cinco, né? Junto com o
Governo do Estado, Secretaria da Saúde, Direção do hospício e Secretaria de
Cultura com os grupos. Talvez, hoje é dia cinco de março de 2014, tudo se
realize dia 27 de março de 2014, a gente esteja assinando, os grupos e o
Governo, o contrato de comodato desse espaço e aí sim, acredito que os grupos
vão poder aplicar, reformar, pintar, tentar desenvolver um projeto não só
arquitetônico, do patrimônio material, mas do patrimônio que é o mais valioso
que tem aqui, que é o imaterial.
Fotos do Espaço Ocupado Pelo Neelic
Fotos do Pavimento inferior do Prédio que faz a ligação
entre os Pavilhões 5 e 6 do Hospital Psiquiátrico São Pedro - Porto Alegre / RS
/ Brasil
Espaço Ocupado pelo Grupo Neelic para
manutenção de suas atividades artísticas e acervo de material, dentre outras
utilidades.
Porta de Entrada do Espaço do Grupo
Corredor que dá acesso às salas
Sala de Ensaio
Entrevista NEELIC Núcleo de Estudos e Experimentação da Linguagem Cênica - Transcrição
Participantes:
Desirée Pessoa
Adriano
Roman
Entrevista Desirée
Giancarlo:
Pode começar por aí mesmo, como é que surge, os primórdios do grupo. A gente
pode falar também hoje quantos vocês são, que ano que começaram é essa ideia.
Desirée:
Nós somos quatro pessoas. Nós começamos em 2003 e o que eu estava te falando é
que a gente começou a partir de uma ideia, de um tipo de trabalho sobre o qual a
gente não sabia o que queria fazer, mas sabia o que a gente não queria fazer.
Isso era um norte: a gente queria poder se relacionar com liberdade dentro das
diferenças. E aí aconteceu que as pessoas que estavam comigo naquele primeiro
momento não conseguiram levar a cabo a experiência por conta da dificuldade com
o espaço. Como o espaço estava muito carente de tudo, a sensação era: não tem
chão, não tem eletricidade, não tem água, não tem, não tem, não tem, não tem.
As pessoas precisam sobreviver, as pessoas precisam trabalhar, têm seus sonhos.
E trabalhar num lugar como esse a gente sabe que pode ser bastante frustrante
em muitos níveis. As pessoas foram aos poucos se envolvendo em outras coisas e
eu fui aos poucos ficando sozinha. E eu tinha assinado um papel dizendo que
este grupo, o Neelic, solicitava aquele espaço pra trabalhar. E essa relação
com o compromisso pra mim sempre foi muito importante. E eu me perguntei o que
fazer com isso. Então eu nunca esqueço do dia em que eu sentei na sala maior
que a gente tem e olhei praquele espaço e me senti muito frágil e pensei: o que
fazer? Eu era atriz, mas não me sentia apta a convidar um grande diretor pra me
dirigir porque eu estava muito no começo, eu não era conhecida e etc. Eu não
era diretora, então eu não podia me autodirigir naquele momento e aí eu pensei:
vou dar uma oficina, porque eu era oficineira e estava na graduação em
Licenciatura. E eu pensei: eu posso pedir um suporte da Universidade, isso é
uma coisa que eu posso fazer. E aí eu comecei a dar uma oficina que no primeiro
módulo teve três pessoas participando. No segundo módulo teve onze pessoas, no
terceiro tinha quarenta pessoas e eu disse: olha, aqui tem alguma coisa legal
acontecendo.
Então
é isso: o Neelic começa como uma ideia e se torna um grupo ao longo (do tempo).
Um grupo dentro do entendimento que eu tenho de grupo: um coletivo de pessoas
que trabalham juntas por uma causa, cada uma com as suas particularidades. Acho
que isso é bem importante, a gente não pretende ser homogêneo no jeito de ser
das pessoas, dos indivíduos. A gente não tem os mesmos gostos, a gente não
frequenta as mesmas festas, a gente não vai no cinema junto, tem várias coisas
que a gente não tem e que são muito saudáveis pra nós, pra mantermos a
diversidade. Isso é muito interessante. Então, quando a gente se junta pra
trabalhar é sempre festivo. Isso é muito legal. Conflito a gente tem muito
pouco, e quando a gente tem, facilmente se resolve de alguma maneira. Eu acho (eu
tenho uma suspeita) que isso é resultado desses outros aspectos da nossa
individualidade que a gente se permite viver. Que a gente não se sufoca, no
sentido de estar junto todo o tempo das nossas vidas. Se é legal, se as pessoas
dão conta de fazerem isso, acho bacana. Mas no nosso caso, não. No nosso caso,
o nosso jeito tem funcionado dessa forma. E aí então de 2003 até 2007 eu fui
trabalhando com as oficinas e com os espetáculos provenientes das oficinas. E
em 2007 a gente fez o primeiro espetáculo do grupo, da companhia, que se
chamava Clitemnestra. Era uma
adaptação da Electra do Sófocles, mesclada
com o conto Clitemnestra ou o crime,
de uma autora francesa chamada Margueritte Yourcenar. Uma escritora linda.
Muito legal. Recomendo. Nessa formação a gente tinha algumas pessoas
provenientes das oficinas, entre elas o Pablo Corroche, que é um dos atores que
ainda está conosco hoje, um dos integrantes do grupo. Depois disso, em 2009
entraram a Vanda Bress, que também está no grupo conosco hoje e o Adriano
Roman, também pela via da nossa Escola, em turmas diferentes (eles entraram). E
foram, cada um à sua maneira, demonstrando vontade de ficar, de estar junto, de
participar. Então hoje essa é a nossa formação, a Vanda, o Adriano, o Pablo e
eu. E como nós somos apenas em quatro, às vezes a gente trabalha com atores
convidados, dependendo do espetáculo. E muitos parceiros – a gente tem o
pessoal da trilha, o pessoal do figurino, por exemplo, que não integra o grupo,
mas trabalha junto. O Adriano agora está se formando como iluminador, aos
poucos, porque também somos jovens ainda, começamos há pouco tempo
relativamente. Então temos muito pela frente.
Contratamos uma produtora de fora do grupo, a maior parte das vezes, de
um tempo pra cá.
Fotos do Espaço Ocupado pela Oigalê
Fotos do Pavimento inferior do Pavilhão 6 do Hospital
Psiquiátrico São Pedro - Porto Alegre / RS / Brasil
Porta de Entrada do Espaço do Grupo - Piso Inferior Pavilhão 6
Espaço Ocupado pela Oigalê Cooperativa de artistas teatrais desde
2002 para manutenção de suas atividades artísticas e acervo de seu material
dentre outras utilidades.
Vista do Pátio Interno dos Pavilhões 5 e 6
Vista do banheiro do Pavilhão 6
Porta de Entrada do Espaço do Grupo - Piso Inferior Pavilhão 6
Entrevista Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais - Transcrição
Participantes:
Transcrição
Giancarlo: Quem
quiser pode começar.
Hamilton: Acho
que só uma questão histórica, talvez a gente esteja aqui há mais tempo, que
acho que é importante colocar, que foi em dezembro de 2001 que a gente procurou
a direção do Hospital. A gente saiu da Vila São José, a gente veio pra cá,
inicialmente conversamos com a direção do Hospital em dezembro de 2001 e fomos
entrar mesmo, na ativa, aqui no São Pedro, em março de 2002. Tá no chão até:
março de 2002 (mostra a marca feita no cimento do chão). Tem algum resquício
aqui: ...ço 2002. Foi quando a gente tapou aqui. Era um vão, não tinha já a
parede e a gente tapou com cimento. E na época escreveu “março de 2002” aqui no
chão. É mais a questão histórica, quando foi. Nós estamos chegando em março de
2014, são doze anos de ocupação literal. E a ideia inicial, pelo menos da
gente, da Oigalê, foi de não só a Oigalê ocupar esse espaço.
Quando a
gente chegou aqui, isso aqui tudo era uma sujeira só. Eles nos mostraram uma
sala, tu tava junto eu acho, Vera? Eles nos mostraram uma sala na Oficina de Criatividade
no pavilhão 04 e a ideia era da gente ocupar aquela sala duas vezes por semana,
três, que é onde está o núcleo de teatro que a Fátima coordena hoje. E daí a
gente disse: Não, vocês não tão entendendo. A gente não quer usar duas ou três
vezes por semana, a gente quer um espaço de ocupação, do cotidiano do grupo, ou
seja, pra guardar material, pra ensaiar, pra tudo. Pra música, pra tudo que a
gente precisava, pra confeccionar perna-de-pau, pra confeccionar cenário,
figurinos. A ideia era essa: de um ocupação de um espaço público ocioso que, no
caso, estava ocioso e imundo. E quando eles disseram: Ah, quem sabe mostra lá
pra eles o pavilhão 06!. E dizia que o Falos & Stercus tinha feito um
espetáculo aqui tinha tido a Bienal, além de alguns filmes de cinema, como Neto perde sua alma, que foi gravado
aqui também, anterior a isso. Quando eu entrei aqui não tinha porta, na entrada
não tinha porta, e era uma sujeira só, e eu falei: Bah, é aqui! É aqui! “Tá, e como é que vocês vão fazer? Não tem
luz, não tem banheiro...” Ah, a gente vai puxar a luz, a gente vai construir o
banheiro com o tempo, a gente vai limpar, mas é aqui!
Então
esse é só o fator histórico. Na realidade o Falos tinha feito o espetáculo e
tinha deixado o material aqui. Como eles faziam vários espetáculos de ocupação
pela cidade, tipo As Lobas, no Castelinho e o Alexandre fez Vargas, na ilha[1].
Eles fizeram aqui In Surto, que era na época era o Sabão e mais o Cebola. E aí
eles fizeram (o espetáculo) e deixaram o material aqui. E nós ocupamos,
começamos a ensaiar, e aí a gente viu a necessidade de não sermos só nós. Aí
partir para o condomínio, convidar grupos para vir, para ser mais forte, aquela
coisa de uma maior ocupação, tinha mais espaços livres: em cima, do lado... e
daí na época a Oigalê participava do movimento dos grupos de teatro de rua. E
aí deu o toque para vários grupos como no caso o Povo da Rua, o antecessor ao
Caixa Preta que o Jessé era diretor, também. E veio o pessoal depois da escola
da Terreira da Tribo, o pessoal saiu da escola e veio ocupar também. Isso é
mais uma questão histórica, pra saber o tempo que a gente tá “internado” aqui
por opção!
Simone: Como
foi isso, Hamilton, de abrir para mais grupos?
Hamilton: Na
verdade, assim. Foi o aval do diretor na época, não me lembro o nome dele
agora, foi no governo do Olívio (Dutra).
Simone: O
diretor do teatro?
Hamilton: Não, o
diretor do hospital. Já tinha sido aberto pra Bienal, já tinha sido aberto pro
Falos apresentar aqui e o diretor do hospital não liberou. Só que a nossa
relação era muito maior com a Oficina de Criatividade, que fica aqui do lado.
Eu não me lembro do nome da senhora que coordenava, e tinha um cara que era CC,
digo, cargo de confiança, que eu conheci na Barão do Amazonas, assim, por
acaso, e trabalhava também com Artes Plásticas. E ele ficava no meio conosco
para coordenar, de conversar, fazer uma reunião mensal com os grupos e tudo
mais. Então tinha essa figura do Hospital que também era artística, que
trabalhava ali na Oficina de Criatividade; e depois, na passagem de governo, o
Olívio perdendo as eleições, até quem foi candidato foi o Tarso, entrou o
Rigotto e o Instituto Estadual de Artes Cênicas tomou a frente. Ficou meio
aquela coisa... eles estouraram o cadeado, a gente conseguiu tirar o Negrinho
do Pastoreio, que a gente estava fazendo na época, guardar numa garagem em um
parente e aí conseguimos fazer o Negrinho. E aí em março lá de 2005, se não me
engano, março de 2003. Em março de 2003, o IEACEN, com a Eva Schul, que retoma
a conversa e eles... a gente volta e tudo mais. Em 2005 a gente assina um
termo de concessão de uso, entre o Roque Jacobi, na época Secretário de
Cultura, e Osmar Terra, Secretário da Saúde. Inclusive estou com uma cópia aqui
deste termo de uso e depois o senhor pode gravar. Aqui no carro, que eu vou
buscar.
Eu
coloco isso muito mais pela questão histórica, a vinda de outros grupos também,
que foram vindo com o tempo, porque eu acho super importante essa ocupação de
espaço públicos. Foi um tanto quanto idealizada pela Oigalê. Obviamente o Falos
& Stercus foi o primeiro grupo a apresentar aqui, a ocupar, ou seja, com um
espetáculo e ensaios. Mas a ideia de fazer essa ocupação sistemática, de vir
mais grupos e cotidiana mesmo, não só do espetáculo, tanto que todos os outros
espetáculos da Oigalê foram, a partir do Negrinho, todos os demais até hoje
foram concebidos aqui. Então a importância desse espaço como um espaço... não é
porque a gente faz teatro de rua que não precisa de um espaço pra ensaiar, pra
trabalhar música, pra confeccionar material. Então isso é extremamente
importante, porque se trata de um grupo com trabalho continuado, e, digamos,
que tem uma visão profissional, vive disso, e que depende também disso para
viver, economicamente; não só vive disso, vive para isso e depende disso também
como seu retorno econômico, de vida, de pagar suas contas. E também da necessidade
física. Precisa desse espaço geográfico pra guardar material e pra ensaiar.
Karine: Acho
que o grande barato é isso mesmo, de ter um espaço onde tu possa manter um
trabalho continuado, porque isso é uma falha dentro desse meio artístico, que a
gente não tem um local de trabalho, onde se possa ter todos os dias, pesquisar,
investigar uma linguagem, construir o que é esse grupo, o que é esse trabalho,
o que se quer dizer. Porque: ah, hoje a gente se encontra ali no parque, amanhã
a gente se encontra em outro lugar, e acaba que o trabalho, ele não acontece.
Então tu não tem o espaço físico pra estar lá todos os dias, pensando sobre
aquilo.
Simone: Fora
todo o material que tem, né?
Karine: É.
Simone: Que se
carrega, que precisa pra fazer o trabalho de teatro. Parece que é só o corpo.
Não é só o corpo. Tem figurino, tem cenário, tem elemento cênico, tem
instrumentos musicais que são coisas caras, que não devem ser jogadas de um
lado para o outro.
Karine: Num
depósito que daí tu tem que buscar quando dá.
Simone: Ou na
casa das pessoas. Tem isso também, grupos que não têm espaço de trabalho que
acabam armazenando em locais que pagam pra armazenar nesse lugar, se
deterioram, o material se deteriora. Ou ainda fica na casa das pessoas,
ocupando espaço das casas das pessoas. Essas pessoas às vezes viajam, fazem
outras coisas de suas vidas, e isso vai quebrando um trabalho homogêneo, um
trabalho que o grupo pode... a continuidade mesmo, quebra a continuidade.
Mariana: E a
importância também desse espaço que, claro, eu entendo que a proposta inicial
era ter um retorno aqui dentro do Hospital, mas, enfim, a gente não tem essa
proximidade com o Hospital pra fazer o retorno, pra estar aqui, pra trazer
gente pra vir pra cá, também, pra conhecer esse lugar. Mas importante é que o
espaço é isso, ele não é um só lugar. Ele é um espaço que é utilizado por
artistas que vão pra rua e também não estão cobrando. Então, a gente tá fazendo
uma coisa com retorno imediato para o público. Imediato e gratuito. Assim como nos
foi cedido esse espaço, a gente apresenta e o público não paga absolutamente
nada.
Karine: E esse
fato de ser um espaço público ocioso que eu acho que é o principal né. O que se
faz aqui? É um prédio que se deixa ruir pelo tempo. Não, tá sendo aproveitado
pra construir algo pra ter uma troca com a comunidade, com a população. Senão
ia estar aqui, ainda, jogado.
Vera: E o
fato de ser um hospital psiquiátrico, que isso é revolucionário. O que tá
acontecendo aqui, se a gente conseguir manter, é um exemplo pro mundo, porque é
muito difícil isso acontecer. A loucura e a arte junto e transitando entre um e
outro. Quem é mais louco? Quem tá dentro ou fora do hospício? Quem é o louco? É
o artista? É louco ou não é? Então tu vai misturando as coisas. É lindo, quando
tinha apresentações aqui, o pessoal fazia apresentações aqui dentro, a
bilheteria era lá na frente. Lá nos guardinhas. Aí tu chegava lá tinha um bando
de gente, aí tu não sabe quem tá esperando pra assistir ao espetáculo, quem tá
esperando um atendimento psiquiátrico, quem tá esperando pra visitar um amigo
ou um parente. Quer dizer, a vida se mistura, não tem mais essa separação. E é
isso que tem que ser. Acabar com essa segregação. Se tu tem um hospital
psiquiátrico para os loucos, aparentemente louco, daqui a pouco tem que ter um
hospital psiquiátrico para os artistas, que também são loucos e que também são
diferentes e assim tu vai tendo um hospital psiquiátrico para cada tipo de
loucura. E não é, acho que a ideia é abrir, é transformar esse hospital
psiquiátrico num grande centro cultural, ao contrário, não é transformar o
hospital num espaçozinho que tem cultura. É um espaço cultural que tem um
espaçozinho que faz atendimento. E aí tu inverte a lógica das coisas.
Mariana: E esse
trabalho que a gente faz, acho que a coisa que eu mais sinto falta. Porque a
gente vem aqui todos os dias e a gente não troca, porque, enfim, por
resistência, por barreira, por briga, porque quer ceder ou não quer ceder o
espaço. A gente não troca com esses internos que estão aqui, eles podiam estar
aqui dentro, eles podiam assistir muito mais os espetáculos. A gente podia ir,
porque eles tem as casas ali no final, a gente fazer apresentação ali, a gente
podia estar mais envolvido. Tem oficina de teatro e a gente que é daqui, que tá
aqui há doze anos não foi chamado pra dar essa oficina de teatro, entende? É um
lugar tão bonito e tem uma energia tão carregada, que a gente consegue
transformar essa energia aqui dentro, a gente podia levar essa energia pros
outros pavilhões.
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